Está decidido. Daqui a três dias, vou me metamorfosear. Quero ser confundido com a massa, tornar-me um dalit qualquer; por isso, vou escurecer a pele com uma tintura para cabelo e, depois, com nitrato de prata.
Já escolhi meu nome indiano. Eu me chamarei Ram Munda. Para a minha metamorfose ser bem-sucedida, estudei com cuidado o comportamento do povo. Devo comer com a mão direita e não me esquecer de usar a esquerda quando for fazer minhas necessidades.
Esta tarde comecei a minha metamorfose. Assim como os indianos, unto cuidadosamente o cabelo despenteado e então visto as roupas de mendigo. Agora penso que estou peonto e me dirijo ao grande espelho que fixei na parede. Não ouso levantar os olhos; tremo, sinto medo. Mas não há como voltar atrás. Decido relaxar para poder encontrar Ram Mundo. Olho.
Lá está um indiano bem moreno, de bigode e pele cor de chocolate, vestido com um lungi e uma camisa suja. Ele usa um tecido fedendo a urina enrolado ao pescoço e me encara. Não sorri; parece triste e cansado. Não o reconheço.
Como acreditar que sou eu?
Na Pele de um Dalit – Marc Boulet